Começar

Meus pais dialogavam com um de seus amigos na sala, enquanto eu me isolava em meu quarto lendo um livro. Podia ouvir ao fundo eles rirem, provavelmente estavam fazendo suas piadas comuns que eram de seu gosto, embora me atingisse de formas que eles nem imaginavam.

Eu lia um suspense, envolvente e misterioso, com uma pitada de um romance fora do padrão dos dias de hoje, mas era assim que eu gostava, diferente do que eu estava acostumado. Sinto como se eu buscasse acolhimento na realidade paralela que existia em minha mente, e com essas histórias eu pudesse encontrar conforto no que sou.

Apesar de gostar de me encontrar nessas fantasias imaginárias, eu gostava de quem era, me sentia confortável em meu corpo, não buscava a personificação de minha personalidade em outros personagens. Eu buscava conforto em meus desejos e minha forma de querer viver a vida. Desde minha existência, era angústia que definia o meu mais sincero sentimento, o próprio ato de amar outra pessoa.

Eu não tinha os mesmos gostos que meus pais, e consequentemente, seus amigos. Esse contraste se fazia tão claro a ponto de me cegar e eu tentava seguir sem olhar ao meu redor. O som de suas gargalhadas reverberam em meu corpo, atingido por seu descaso. Pequenas palavras, para eles, nada mais. Para mim, um dilúvio, um decreto. E ninguém sequer notava. A inexistência de minha total existência como eu mesmo era poeira ao vento. Se dilacerava.

Não, você pode pensar que eles eram tremendamente irresponsáveis e péssimos exemplos. Na verdade eles eram amorosos e cuidadosos, sem o tato para entender o que o mundo se tornou, seguindo imutáveis, reproduzindo hábitos. E eu, que sentia sem falar nada, quando deveria gritar para o mundo meu sofrimento, seguia sem voz. Não porque me proibiram, mas pela minha própria incapacidade de me expressar.

Eu não aprendi a comunicar meus sentimentos, talvez eu até tenha levado essas pequenas constatações como uma verdade, e embora tenha tido espaço para dizer o que quisesse, me calei.

E como não achar curioso e estranho, esses mesmos seres humanos, meus pais, Carlos e Diogo, que relatavam como no passado se atingiam pelos mesmos motivos. E eu, agora em outro contexto, sinto a mesma negligência. Afastando e me afastando de quem amo por simplesmente eu amar o sexo oposto.