Começar

O relógio ao lado de minha cama marcava meia noite, o silêncio pairava sobre todos nós, um prazer que não imaginei poder se tornar tão visceral. Eu me deleitava em cada segundo desse novo prazer, não sabia quanto tempo iria durar, dormir parecia um desrespeito a esse momento tão essencial para minha existência, então eu seguia acordada.

Ao longo dessa nova realidade, o único som que se fazia mais prazeroso que o breve silêncio, eram as batidas de meu coração. Anunciando minha sobrevivência, me lembrando de que eu ainda estava aqui.

O som de minhas lágrimas pareciam ecoar no quarto em que me encontrava, ele relembrava todos meus sonhos estilhaçados pelo barulho estridente das explosões, tiros e sirenes. O horror de estar em meio a uma guerra e não saber se amanhã eu acordaria viva era sufocante, desde então eu passei a viver no silêncio, assim conseguiria identificar os perigos que poderiam me acometer.

A música era um conforto que hoje eu não encontrava mais, ela poderia me distrair da única coisa que eu precisava me importar, meu constante estado de alerta para poder continuar sendo uma sobrevivente.

Certa noite, enquanto eu chorava, ouvi o som distante de um violino, era uma melodia reconfortante que carregava o fardo da esperança, com uma notável despedida, se rendendo ao desespero de viver no silêncio. O som do violino foi abruptamente abafado por um bombardeio, nunca soube se o responsável pelo belo violino foi silenciado para sempre, mas ficou em minhas memórias como a melodia foi silenciada e somente o silêncio poderia ser nosso refúgio.

Nunca imaginei que o som poderia ser tão violento, extremamente radical e capaz de calar toda beleza do nosso ouvir, restando somente a ausência da melodia.

E enquanto a vida poderia escapar de meus dedos com a facilidade de um suspiro, eu tentava apreciar a falta de tudo aquilo que sempre me motivou a seguir em frente, as canções e as frases alegres e esperançosas de uma vida melhor, as batidas que vibravam meu coração, o grave da voz que me inspirava força.

Mas hoje eu vou me permitir ouvir, depois que eu enxerguei uma luz iluminar o horizonte, só quero colocar meus fones de ouvido e sentir o êxtase de uma canção calorosa. Sentindo ao longo dessa longa meia noite tudo aquilo que me foi tirado, observando a beleza do céu estrelado e imaginando como o universo vai me receber conforme aquela luz se aproximava, tudo se tornaria um grande breu, me libertando desse silêncio sufocante e eu finalmente me render à maravilhosa vulnerabilidade de poder adormecer.