Começar

Antes que o mundo se tornasse no que conhecemos hoje, ele caminhava entre as sombras, escondia-se do Sol, uma lembrança dolorosa de se contemplar. As noites eram seu refúgio, nela, a luz de seu passado não poderia te alcançar.

Ele caminhou sozinho por muito tempo, desbravando-se entre as árvores da floresta, conheceu os maiores perigos dos quais poderia sequer imaginar, mas sobreviveu com a faísca que ainda existia dentro de si mesmo, aquela força que nunca o fez desapegar da vida.

Seu mundo não era igual aos demais, tampouco poderia se comparar à normalidade adquirida pelos seres comuns, dos quais ele não pertencia.

Por muitas noites ele uivou seu lamento, como se assim pudesse afastar a dor que sentia.

Mas nessa noite, eu o escutei.

E nessa noite, ele me notou.

Do céu eu o observava, minha luz irradiava em seus pêlos brancos e ele se destacava de todo o resto em meio à penumbra do véu da noite. Seus olhos estavam fixos em mim e repentinamente ele voltou a uivar. Um uivo diferente do que de costume, lá de cima eu senti conforto e esperança, como se houvesse um futuro promissor pela frente. Ele parou e me fitou por um instante, então correu para dentro do abraço acolhedor da floresta. Eu fiquei observando e demorei muito tempo para compreender o que esse momento significava.

Então toda noite, no resguardo de minha luz, ele me visitava. Ele aparecia na parte mais alta da floresta, onde não havia nada que pudesse tirar sua visão de mim e se deitava, me observando.

Era um momento mágico, embora não houvesse uma conversa e por mais que não pudéssemos nos comunicar, eu o sentia, entendia, e compartilhava de um momento como nenhum outro. O universo parecia dissipar, se desintegrar em um só instante.

Um dia ele chegou ferido e ficou a noite inteira sob meu luar, era como se eu pudesse abraçá-lo, até que o Sol declarasse sua presença, me ofuscando no céu e o afastando de mim.

Seguimos longas noites dessa forma, nos bastávamos, só precisávamos da noite para estarmos juntos e nada mais podia nos atingir.

E se tudo isso parecia mágico, eu não sei como poderia descrever essa última noite em que nos encontramos dessa forma. Foi um espanto para todos.

Os Leões correram para longe em horror à sua natureza vil e profana.

As Sereias mergulharam nas profundezas em vergonha às suas melodias amaldiçoadas.

Minha órbita havia se perdido e um magnetismo incompreensível me puxava para o Lobo. Minha densidade estava diminuindo ao longo do caminho que eu trilhava para a Terra. Mas meu brilho, ele não se ofuscou, eu brilhava como uma estrela cadente, todos podiam ver minha luz, indo diretamente para meu destino. E quando eu cheguei, já estava do seu tamanho.

O Lobo não hesitou em se aproximar, quando chegou, ele descansou sua pata em mim, como um leve carinho, uma lágrima escorreu de seus olhos caninos e ele foi tomado pela minha luz. Brilhávamos como nenhuma luz que a Terra já havia visto, tudo se tornou branco, mas não machucava os olhos daqueles que observavam. E então nos sentimos completos, foi o início de nossa vida, nascidos ali pela força que nos conectava.

Um velho homem observava os pequeninos olhando com tamanha exasperação e então disse

“E esse é o conto da Lua e do Lobo, contado por nossos ancestrais”.

Um dos pequeninos perguntou

“Mas, o que aconteceu depois disso?”.

O velho esboçou um sorriso e continuou.

Quando o brilho se dissipou, a Lua e o Lobo haviam sumido.

O que restava naquele lugar eram dois seres nunca vistos antes.

Quem os via, tinha a sensação de esplendor.

Os que lhes escutaram, disseram que eles uivaram juntos uma melodia.

Muitos dizem que foi deles que os humanos nasceram.

Outros, que eram evoluídos demais para serem limitados como nós.

Já eu, pequeninos, acredito que eles tenham partido para viver eternamente em harmonia com o universo.