Começar

O dia que antes estava ensolarado, agora se escondia por detrás das nuvens escuras, carregadas da tempestade que estava caindo sobre a terra. Eu saí de minha cabana para poder apreciar a chuva, sentir a água escorrendo sobre meu corpo, como se pudessem lavar tudo de mal que poderia me acometer.

Eu me deitei na grama sentindo a chuva sobre meu rosto e enquanto eu divagava sobre meus pensamentos a chuva cessava, restando apenas uma leve garoa. Em meio às árvores eu podia avistar parte de um arco-íris que se formava no céu. Eu pensava em como a vida era maravilhosamente misteriosa, cheia de coisas que nós não conseguimos desvendar.

Apoiei minhas mãos no chão para me sentar e quando olhei para frente avistei uma figura curiosa, parecia um humano coberto por folhas coloridas, seus olhos eram pintados em uma das folhas e eles me encaravam fixamente. Ele se movia de forma repentina, como um pássaro mexendo sua cabeça para me olhar.

Então ele começou a falar e uma das folhas abaixo de seus olhos pintados se mexia com o ar de suas palavras “Ora ora, o que temos aqui? Um ser curioso, não? Um pouco perdido, bastante sentimental… Você tem saudades não tem?”. Eu pensei em responder, mas quando comecei a abrir a boca ele continuou “Sim, você tem, nós sabemos, não precisa dizer. Oh meu querido, espero que me perdoe, algumas coisas estão destinadas a acontecer e você é uma delas”. Ele levantou seus braços que com tantas folhas, pareciam asas, ele os estendeu para os lados, com um movimento rápido ele os juntou como se fosse bater uma palma. No momento em que ambos se encontraram eu pisquei e me senti zonzo, um formigamento percorreu por todo o meu corpo, as folhas coloridas que o encobriam agora começaram a cair no chão, minha visão começou a ficar turva e tudo ficou escuro.

Eu acordei com um chamado distante, não era meu nome que chamavam. Meus olhos abriram aos poucos e eu pude enxergar o Homem Cervo segurando meus ombros no chão. Ele parecia me olhar diferente, de uma forma curiosa. Quando o respondi ele teve um súbito olhar de compreensão, era uma mistura de medo e alívio. Então eu fui passar a mão em meus cabelos e senti grandes orelhas na minha cabeça. Ele me disse “Querida Mulher Lebre, preciso te contar uma história” e me pediu para nos sentarmos em troncos próximos dali. Estranhamente eu não me sentia desesperado, eu não me importava, era de certa forma um alívio.

E novamente na frente de uma fogueira o Homem Cervo me contou uma história, mas dessa vez eu não a conhecia. Ele me contou sobre um antigo conto da floresta, esse conto falava sobre o Cervo e a Lebre. Ambos enfeitiçados por seres desconhecidos, que estavam destinados a reinar sobre as árvores trazendo harmonia para esse lugar. Eles cuidavam da floresta em suas formas animais durante o dia e para celebrar sua antiga vida humana, toda noite eles se transformavam em híbridos para estarem juntos, nunca esquecendo do que já foram. Nos abraçamos enquanto uma lágrima escorria do rosto de cada um, selando o nosso reinado e celebrando nossa existência.

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