Começar

Eu observava o céu, enquanto sobre meu corpo nu, a grama queimada se fazia presente. A única sensação que, naquele instante, eu poderia de fato sentir. Minha existência nesse momento se resumia em observar o céu de onde eu havia pertencido, onde você esteve ao meu lado, e o solo, que se tornou meu novo lar.

A carcaça que carregava esse corpo cheio de vivências, emoções e desejos de pertencer, não parecia mais estar em uníssono. Destacado de si mesmo, eu parecia não fazer mais sentido em existir. O que fui, nunca mais serei, estatelado no chão e perdido em um novo mundo. Demônios não podem voar, então não espere que eu não caia.

Será então que a lembrança de seus olhos angelicais, assim como um dia foram os meus, seria suficiente para que eu pudesse voltar a voar? O peso de meu corpo contra o centro da terra, sendo puxado com tanta força, parecia mais forte do que o magnetismo que meu ser se sentia atraído por você.

Ao despencar, eu lhe enxergava se distanciando, até que se tornasse um ponto no horizonte e então, não existisse mais. Mas que mesmo distante, dentro de mim existia e ressoava com muita força. Em um mundo destruído, queimado e arruinado eu me encontrava, e era exatamente assim que eu me sentia sem você. A única harmonia que restava agora era os arredores com esse sentimento.

Eu pensava agora, e você? Sentia-se assim como eu? Nos céus não havia questionamentos, as certezas eram nossas, os momentos eram certos. E na harmonia de viver nesse reinado sagrado, nada poderia nos afetar. Até que nossas incertezas nos fizessem cair de um penhasco, inevitável, inescapável. Só nos restava a queda, o impacto contra o solo perdido e o pecado de se viver com a blasfêmia de nossas imperfeições.

Oh, solo condenado, me leve junto de minha dor, me tome e me consuma. Aqui pertencerei eternamente, sem esperanças de ser perdoado com a certeza de ser um eterno pecador. Nada posso oferecer, crucificado por meus erros, acorrentado pelos meus mais profundos desejos. Nunca poderia controlar a genuinidade de minhas emoções, crenças implantadas no caminho de minha vida angelical, amores incompreendidos de um ser inundado de vontades. Estarei sentindo meu amor até que a força da gravidade puxe meu corpo contra o solo, despedace-o e enfim termine com todo esse sofrimento.

Pois nunca me renderei ao divino, que me condenou ao eterno sofrimento por amar com todas as forças de meu ser.