A primeira vez que lhe avistei, Acará, eu sentava em uma mesa da Taverna que sempre frequentei, bebendo meu caxiri. Enquanto minha mente vagava longe de meu corpo físico, a visão de seus olhos serenos e seus longos cabelos escuros, me puxaram de volta para mim, para esse momento. Me fiz presente onde estava e fixava meu olhar em você. Uma admiração, um desejo, gostaria de poder lhe conhecer.

Seu olhar foi de encontro ao meu, e perdemos um longo instante nos observando. Pode ser que tenha durado somente um breve momento, mas para mim, se estendeu no horizonte. Nossa história começou ali, quando Acará resolveu se aproximar e sentar em minha mesa. A partir desse momento, nunca mais nos separamos.

Momentos únicos de minha vida foram partilhados com você ao meu lado, um companheirismo interminável entre nós. Me recordo do primeiro ciclo que permitimos nos despir totalmente, e nos entregamos. Em nossa individualidade, onde eu, que sempre me transfiro para o outro com o toque. E você, que me recebia de braços abertos por me sentir com grande intensidade, nos bastávamos. Nada era raso para você, se aprofundava em todas minhas camadas, e conseguia me acolher no mais íntimo de seu ser.

Conforme seguíamos nossa estrada lado a lado, vivemos muitas coisas, a intensidade do amor, a quietude da paz, o apreço do cuidado. Ao seu lado, encontrei a plenitude que eu buscava durante esses ciclos todos. Me aceitou com minha eterna dualidade, me acolheu como nunca antes, me cuidou como ninguém mais poderia. Você me enxergou, me entendeu. E nessa conexão, continuamos a nos pertencer.

Entretanto, enquanto desbravávamos os dez cantos de Alterya, Acará sofreu a aflição de um feitiço tão profundo, que não havia possibilidade de cura. Nessa nova jornada, onde ainda não sabíamos que era impossível encontrar uma solução, nos dedicamos a achá-la. Me desdobrei para encontrar formas de reverter isso, passei ciclos de aflição em Auren, enquanto minha selvageria tomava conta de mim e você me acolhia mesmo assim. A Divisa Arsen tampouco nos ofereceu uma solução. E Auzmen, que já conhecíamos muito bem, falhou em nos fornecer um conforto. Chegamos a nos encontrar com Aloriter, o Mago da Luminescência, que também não pôde nos ajudar.

Com o passar dos ciclos, aceitamos que nada poderia ser feito e a sua vitalidade foi se esgotando. Sua disposição, antes radiante, começava a enfraquecer. Me doía o coração lhe observar definhar dessa forma.

Até que um dia, Acará me pediu se nós poderíamos dançar nossa música. Assim o fiz, de prontidão. Enquanto dançávamos, novamente estava me transpondo à você, e dessa vez eu senti uma alegre despedida, não precisava me dizer mais nada. Você tinha chegado em seu limite e sua luta consigo havia atingido seu fim.

Nós dançávamos como nunca antes, era nossa última dança, nunca mais iria sentir seu calor, seu cheiro e sua presença. Enquanto a chuva caia. Seus dedos deslizavam, soltando-se dos meus com tamanha facilidade devido a água que encharcava nossos corpos.

Eu observava em meu rosto o pesar dessa despedida, enquanto me enxergava através de seus olhos. Eu lhe demonstrava um sorriso de gratidão por ter compartilhado minha vida com você por todos esses ciclos.

Acará sorria, também me agradecendo por tudo que vivemos, e ao se entregar para seu fim, me pedia do fundo de seu coração, que eu vivesse plenamente pelo resto de meus dias.